Por indicação do Marinho e com a devida vénia ao Correio da Manhã e seus Jornalistas, transcrevemos a seguir um artigo publicado na Revista de Domingo último, que relata a passagem por Tite dum companheiro, no inicio da guerra colonial:
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"Assentei praça nas Caldas da Rainha em 1961. Depois da recruta tirei a especialidade de armas pesadas em Abrantes e, mais tarde, fui para a base aérea da Ota. Aí mesmo, um certo dia, estava eu de reforço, assustei-me com um pássaro e, sem querer, disparei um tiro para o ar.
Quando fui chamado ao comandante para explicar o que tinha despoletado o incidente, acabei por informá-lo que não fazia mais reforços! Fui repreendido e castigado, claro, e tive de responder perante o conselho de guerra, fui condenado a pena de prisão de 41 dias e acabei por ir parar ao forte de Elvas.
Só depois desse episódio fui mandado para o quartel de Penamacor, onde finalmente fui mobilizado para ir para o Ultramar, mais concretamente para Tite, na Guiné, o sítio onde a guerra tinha começado.
"MÃE, ESTOU NO PARAÍSO!"
Embarquei no Cais da Rocha do Conde de Óbidos a 4 de Maio de 1964. Não disse nada a ninguém, nem a minha mãe soube. Depois, já lá na Guiné, é que lhe escrevi umas linhas dizendo: "Mãe, estou aqui na Guiné, e estou no paraíso!". Não a queria preocupar e, na verdade, nem eu sequer sabia muito bem o que ia encontrar por lá. E tinha razões para estar apreensivo.
Os primeiros seis meses na primeira companhia de Tite foram muito dolorosos. Imagine-se o que é estar no meio de um pântano, meio enterrado na água podre, à noite, rodeado de bichos, enquanto o inimigo mandava ‘very-lights' para o ar para nos descobrir e atacar. Assim que lá cheguei vi muitos homens, dos nossos, que pareciam ter duas cabeças, de tal forma deformados que estavam pelas picadas dos insectos. Noutra ocasião, fomos transportados numa lancha para Jabadá e, assim que chegámos a terra, ainda a sair da lancha, fomos atacados a tiro.
Apanhavam-se muitos sustos. Às vezes, até a nossa própria aviação nos confundia e desatava a disparar.
Apesar de tudo, acho que não fui dos que mais sofri, pois quando ouço, ainda hoje, histórias de outros camaradas é que penso que tive muita sorte. Muita gente não faz a mais pequena ideia do que aquilo era e das coisas pelas quais se tinha de passar.
Deve ser por isso que ainda gosto de organizar almoços-convívios de ex-combatentes e de confraternizar com a rapaziada. Recentemente consegui arranjar reforma para um ex-combatente aqui da terra, deficiente, que estava há 11 anos a depender de uma irmã. De uma forma geral, e por tudo o que sofreram, os ex-combatentes mereciam mais respeito dos nossos governantes.
SPORTING DE BISSAU
Nunca fui ferido e nunca estive doente, mas cheguei a estar internado no hospital militar por causa dos dentes mas era tudo uma artimanha para poder jogar futebol na temporada de 64 no Sporting Clube de Bissau (de outra forma teria de ter voltado para a companhia). E há conta disso joguei no campeonato. O futebol era o meu escape, a única coisa que me distraía... afinal, há conta dos vários castigos que tive, já estava há mais de quatro anos na tropa.
Quem me ajudou também foi um furriel, que era muito bom rapaz. Tive de mudar de companhia, por causa de uma querela com o comandante da primeira, mas quando cheguei à segunda queriam que fizesse a instrução outra vez. Esse furriel virou-se para o comandante e disse: "Deixe lá seguir o rapaz, que já cá está há tanto tempo!".
E assim foi! E até passei a ser uma espécie de guarda-costas do comandante!
PERFIL
Nome: Joaquim Gil Vinagre
Comissão: Guiné, 1964/66
Força: Companhias de Caçadores 677 e 675
Actualidade: 70 anos, reformado, ex-pintor da construção civil"
Cada pessoa, cada vida, encerra em si uma história, mas quem viveu e sofreu as agruras da guerra colonial, tem muitas histórias para contar, tem muitas experiências para partilhar....
ResponderEliminarAqui está mais um interessante relato....